Complexidade 
fonológica e reconhecimento da relação morfológica entre as palavras: um estudo 
exploratório
 
Phonological 
complexity and the recognition of morphological relationships between words: an 
exploratory study
 
Complejidad 
fonológica y reconocimiento de la relación morfológica entre las palabras: un 
estudio exploratorio
 
 
Márcia Elia da 
Mota *
Universidade 
Federal de Juiz de Fora
Endereço para correspondência
 
 
RESUMO
Estudos sobre o 
desenvolvimento da consciência morfológica em crianças têm apresentado 
resultados que mostram que a estrutura fonológica das palavras parece ser um 
fator que influência o processamento morfológico das palavras. A relação 
morfêmica entre palavras derivadas ou flexionadas que mantém a transparência 
fonológica das palavras é mais facilmente percebida pelas crianças do que quando 
há mudanças na estrutura fonológica. Este estudo apresenta dados de 51 crianças 
de primeira e segunda série do Ensino Fundamental que corroboram a idéia de que 
a estrutura fonológica das palavras ajuda no reconhecimento da relação morfêmica 
entre elas. Uma possível explicação discutida para explicar esse fenômeno diz 
respeito ao modo de armazenamento desses morfemas no nosso léxico.
Palavras-chave: Morfologia, 
Linguagem, Consciência morfológica.
ABSTRACT
Studies about the 
development of morphological awareness in children have presented results that 
show that the phonological structure of the words seems to be a factor that 
influences the morphological processing of the words. The morphemic 
relationships of derived and inflected words that keep the phonological 
transparency of the words is more easily perceived by children then when there 
is phonological change. This study presents data on 51 subjects form first and 
second grade that support the idea that the phonological structure of words help 
children to understand the morphemic relationship between them. A possible 
explanation for this phenomenon may be related to the way morphemes are storage 
in our lexicon.
Keywords: 
Morphology, Language, Morphological awareness.
RESUMEN
Estudios sobre el 
desarrollo de la consciencia morfológica en niños han presentado resultados que 
muestran que la estructura fonológica de las palabras parece ser un factor que 
tiene influencia sobre el procesamiento morfológico de las palabras. La relación 
morfémica entre palabras derivadas o flexionadas que mantiene la transparencia 
fonológica de las palabras es más fácilmente percibida por los niños cuando 
comparado a cuando hay cambios en la estructura fonológica. Este estudio 
presenta datos de 51 niños de primero y segundo grado de la enseñanza primaria 
que confirman la idea de que la estructura fonológica de las palabras ayuda en 
el reconocimiento de la relación morfémica entre ellas. Una posible explicación 
discutida para explicar ese fenómeno se refiere al modo de almacenamiento de 
esos morfemas en nuestro léxico.
Palabras 
clave: Morfología, Lenguaje, Consciencia morfológica.
 
 
Introdução
A escrita combina 
dois princípios: o princípio fo-nográfico e o princípio semiográfico. O 
princípio fonográfico está relacionado a como as letras correspondem aos fonemas 
das palavras, e princípio semiográfico a como as palavras são constituídas a 
partir dos morfemas (Marec-Breton & Gombert, 2004).
Habilidade 
metalingüística é a habilidade de refletir sobre a língua como objeto do 
pensamento. Entre as habilidades metalingüísticas duas estão associadas aos 
princípios anteriormente descritos. A consciência fonológica (habilidade de 
refletir sobre os sons da fala) estaria associada à aquisição do princípio 
fonográfico, e a consciência morfológica (habilidade de refletir sobre a 
estrutura morfológica das palavras), à aquisição do princípio 
semiográfico.
Nas últimas duas 
décadas o estudo do processamento morfológico tem se constituído como uma área 
fértil de investigação, tanto para cientistas interessados na aquisição da 
linguagem oral quanto para cientistas interessados na linguagem escrita. No caso 
particular da língua escrita Mann (2000) aponta duas razões pela qual o 
processamento morfológico seria importante: a primeira diz respeito ao fato de 
que a escrita pode ser analisada em vários níveis. Um deles é o nível 
semiográfico, que como vimos envolve estabelecer como os grafemas representam 
significados das palavras (Marec-Breton & Gombert, 2004); a segunda razão 
seria mais específica à natureza da ortografia sendo estudada. 
A argumentação 
principal para explicar a relação encontrada entre o processamento morfológico e 
a alfabetização vem de pesquisas realizadas em falantes do inglês, língua nativa 
de Mann. O inglês é uma língua alfabética, o princípio alfabético, também 
chamado por Marec-Breton e Gombert (2004) de princípio fonográfico, é o de que 
letras devem corresponder perfeitamente aos sons das palavras. No entanto, nem 
sempre ortografia das línguas alfabéticas obedece a esse princípio, e variam 
quanto ao grau de correspondência entre as letras e os sons da fala. Algumas 
ortografias são mais opacas, muitas palavras não obedecem às regras de 
correspondência entre letra e som. Outras são mais transparentes, as letras 
correspondem mais perfeitamente aos fonemas das palavras.
No inglês essas 
relações são mais opacas do que em ortografias como o finlandês, o português ou 
o espanhol. Muitas das irregularidades encontradas no inglês podem ser 
explicadas pela estrutura morfológica das palavras (Chomsky & Halle, 1968; 
Sterling, 1992). Por exemplo, no inglês a palavra heal que rima com 
il e a palavra health que rima com elf têm a mesma origem 
semântica por isso são escritas da mesma forma, embora sejam pronunciadas de 
forma diferente. 
Nas línguas com 
ortografias mais regulares, o processamento morfológico pode não contribuir de 
forma significativa para aquisição e processamento da língua escrita, porque a 
maioria das palavras pode ser escrita aplicando-se o princípio alfabético. Mann 
(2000) supõe que as línguas alfabéticas mais regulares podem ser mais 
dependentes da estrutura fonológica das palavras do que da estrutura 
morfológica. Lehtonen e Bryant (2005) ressaltam que embora este seja um 
argumento válido, a hipótese de que a consciência morfológica contribui para 
alfabetização nestas ortografias regulares também é pertinente. Os autores 
argumentam que esta é uma questão teórica que precisa ser mais bem investigada. 
A importância da 
consciência morfológica na aquisição da língua escrita no inglês tem sido bem 
demonstrada. Em uma série de estudos que visavam explorar a relação entre a 
consciência morfológica e a alfabetização, Joanne Carlisle mostrou que a 
habilidade de refletir sobre os morfemas das palavras estava associada ao 
desempenho na leitura de palavras isoladas e a compreensão de leitura (Carlisle, 
1995, 2000; Carlisle & Fleming, 2003), e também ao desempenho da escrita 
(Carlisle, 1988; 1996). 
O problema com os 
estudos de Carlisle é que a consciência fonológica não foi controlada. Já 
discutimos que a escrita combina dois tipos de princípio: o fonográfico e o 
semiográfico. Alguns autores argumentam que a consciência morfológica não 
contribui de forma independente para alfabetização (Fowler & Liberman, 1995; 
Bowey, 2005) e é um subproduto do processamento fonológico. A consciência 
morfológica, bem como a consciência fonológica, faz parte de uma habilidade 
metalingüística mais geral. As correlações encontradas entre a consciência 
morfológica e a escrita poderiam ser explicadas como parte da variância 
partilhada com a consciência fonológica.
Deacon e Kirby 
(2004) e Nagy, Berninger e Abbot (2006) investigaram a contribuição da 
consciência fonológica e morfológica para escrita e leitura. Esses autores 
acharam contribuições mais fortes da consciência fonológica para a língua 
escrita do que a da consciência morfológica. Porém, acharam também uma 
contribuição independente da consciência morfológica para língua escrita. Isto 
é, embora a consciência fonológica tenha contribuído com uma parcela maior da 
variância para a leitura e escrita, mesmo depois de controlarmos essa variância, 
a consciência morfológica continua contribuindo de forma significativa e 
positiva para leitura e escrita.
Embora esses 
estudos demonstrem a consciência morfológica contribui para língua escrita de 
forma independente, outros estudos demonstram que quando se trata do 
processamento dos morfemas, a estrutura fonológica da palavra tem um papel 
importante no reconhecimento desses. Para entendermos melhor essa questão é 
necessário conhecermos o que são morfemas e como as os crianças processam. Este 
assunto será tratado a seguir.
O que são 
morfemas? Como as crianças processam os morfemas?
Morfemas são as 
menores unidades lingüísticas que tem significado próprio. Existem duas grandes 
classes de morfemas: as raízes e os afixos. A raiz pode ser definida como núcleo 
mínimo de uma construção morfológica. Os afixos podem ser de dois tipos: 
prefixos, afixos adicionados antes da raiz, ou sufixos, afixos adicionados 
depois da raiz. Assim, a palavra "enraizamento" tem três morfemas "en", "raiz" 
"mento". Os morfemas também podem ser classificados como flexões ou derivações. 
As flexões são sufixos que determinam o gênero e o número nos substantivos e 
adjetivo, e nos verbos constituem os sufixos temáticos, modo-temporais e 
número-pessoais (Laroca, 2005). 
As derivações, por 
sua vez, podem ser prefixos (ex., "refazer") ou sufixos (ex., 
"leiteiro"). As flexões têm um caráter morfossintático e possuem uma 
estabilidade semântica, ao passo que as derivações tratam da estrutura das 
palavras, nesse caso pode haver extensões do sentido destas palavras (Laroca, 
2005).
Pesquisas têm 
demonstrado que as crianças reagem de forma diferente à morfologia derivacional 
e a flexional (Deacon & Bryant, 2005). Deacon e Bryant deram a crianças de 
cinco a oito anos de idade um teste de escrita, no qual as crianças tinham que 
escrever palavras com um morfema e palavras com dois morfemas. Metade das 
palavras de dois morfemas era de palavras derivadas e a outra metade eram 
palavras flexionadas. As palavras tinham o mesmo som final, por exemplo, a 
palavra notion (com um morfema) e a palavra connection (com dois 
morfemas). Os autores predisseram que se as crianças processam a morfologia da 
língua, elas teriam uma facilidade maior em escrever o som final das palavras 
quando eles eram morfemas, do que quando não eram. Na medida em que o som final 
das palavras era o mesmo, qualquer diferença nos resultados só poderia ser 
atribuída ao processamento morfológico da palavra. 
Os resultados deste 
estudo mostraram que as crianças escreviam mais corretamente os sons finais das 
palavras quando eram morfemas do que quando não eram, mas a análise do tipo de 
morfema escrito mostrou que este resultado era verdadeiro apenas para as 
flexões.
Os autores 
concluíram que a diferença encontrada na escrita dos dois tipos de morfemas 
possivelmente ocorria porque na morfologia derivacional há uma mudança na classe 
gramatical das palavras morfologicamente complexas, o que não ocorre com a 
morfologia flexional. Assim, seria mais fácil para as crianças entender as 
relações morfêmicas nas flexões do que nas derivações.
No caso da 
morfologia derivacional não há regras claras de como formar as palavras. No 
entanto, conhecer a relação entre a raiz e a palavra derivada pode ajudar o 
leitor a compreender o significado da palavra e saber como pronunciá-la, e ao 
escritor decidir sobre grafias ambíguas. Desta forma, a palavra "laranjeira" é 
escrita com "j" e não "g" porque vem da palavra "laranja", informação que o 
escritor pode utilizar. O leitor pode se beneficiar também, pois pode inferir 
que a palavra significa a "árvore que dá a laranja" (Luft, 1999).
Casalis e 
Louis-Alexander (2000) e Deacon e Braynt, (2005) consideram a distinção entre 
morfemas derivacionais e flexionais importante porque nas derivações as palavras 
muitas vezes mudam de classe gramatical. Por exemplo, a palavra "magro", que é 
um adjetivo, se torna "magreza" que é um substantivo abstrato. No caso das 
flexões, as palavras não mudam de classe gramatical. Além disso, há regras de 
formação de palavras flexionadas, o que nem sempre acontece com as derivações. 
Por fim, um mesmo morfema pode ter significado ligeiramente diferente dependendo 
da palavra que se encontra. Por exemplo, o "eiro" em "açucareiro" e em 
"leiteiro". Em "açucareiro" o "eiro" é usado para indicar o lugar em que se 
guarda o açúcar, em "leiteiro" forma uma palavra que indica 
profissão.
Em conclusão, o 
desenvolvimento do processamento da morfologia derivacional pode ser diferente 
do desenvolvimento do processamento da morfologia flexional. De fato, estudos 
que exploram a relação entre a consciência morfológica e a escrita sugerem que a 
consciência morfológica não é um conceito unitário. Diferentes morfemas podem 
ser processados de diferentes formas pelas crianças. Além da distinção entre 
morfologia derivacional e flexional, uma outra característica dos morfemas que 
pode afetar o resultado de estudos que investigam o processamento morfológico 
diz respeito à relação fonológica entre os morfemas. Alguns morfemas têm 
relações fonologicamente transparentes "feliz" e "felizmente", e outros têm 
relações fonologicamente opacas "razão" e "racional". Pesquisas que observaram a 
relação entre o processamento de morfemas que tem relações fonológicas opacas e 
transparentes mostram que neste caso também as crianças reagem de forma 
diferente ao tipo de morfema.
Fowler e Liberman 
(1995) demonstraram que tarefas que envolvem a relação opaca entre os morfemas 
correlacionam mais fortemente com a leitura do que aqueles com relações 
transparentes. Porém, as crianças acharam mais fácil julgar a relação morfêmica 
entre as palavras quando essa relação não modificava a raiz das palavras. Uma 
possível explicação para esse resultado é a de que julgamentos de relações 
opacas requerem um conhecimento maior da relação morfêmica entre as palavras. 
Esse conhecimento mais profundo da morfologia da língua atua facilitando a 
leitura. O julgamento de palavras que mantém a raiz preservada pode ter sido 
feito com base na semelhança fonológica entre as palavras.
Carlisle, Stone e 
Katz (2001) deram a crianças de dez a quinze anos de idade duas tarefas de 
leitura que envolviam dois grupos de palavras derivadas. O primeiro grupo eram 
palavras derivadas nas quais não havia mudanças na pronuncia da palavra base e 
da palavra derivada (cultural e culture), o segundo grupo envolvia 
palavras nas quais havia diferenças na pronuncia (natural e 
nature). Os pares de palavras eram comparáveis quanto: à freqüência de 
ocorrência, número de letras e ao padrão ortográficos. Dessa forma, os autores 
argumentam que qualquer diferença na leitura destes dois grupos de palavras só 
poderia ser atribuída ao processamento morfológico. As palavras que não tem 
mudanças fonológicas na leitura seriam mais fáceis de reconhecer, pois a relação 
entre a base da palavra e a palavra morfologicamente complexa é direta, sem 
transformação. No caso das palavras em que há mudanças na pronúncia, só conhecer 
a base não garante a pronúncia correta, a criança precisa entender que tipo de 
mudança fonológica ocorreu.
As crianças, no 
estudo de Carlisle, Stone e Katz (2001), foram divididas em dois grupos: bons e 
maus leitores. Os resultados mostraram como esperado, que as palavras sem 
alteração fonológica foram mais fáceis de ler e reconhecer do que as palavras 
com mudanças. No entanto, a diferença entre a leitura dos dois grupos de 
palavras foi mais marcada para os maus leitores.
Carlisle e col. 
(2001) concluíram que a dificuldade dos maus leitores em ler as palavras com 
mudanças fonológicas está relacionada a uma dificuldade no processamento 
fonológico complexo das palavras formadas por mais de um morfema. Essa 
complexidade morfológica mascara a relação morfêmica entre as palavras. Assim, 
os autores sugerem que parte dessa dificuldade está no entendimento das relações 
morfológicas entre as palavras. Tornando explícitas as relações entre a raiz e 
seus derivados, e as mudanças que certos derivados sofrem, pode ajudar as 
crianças a mais rapidamente decidir a pronuncia correta das palavras e fazer 
decisões a respeito da grafia destas palavras também.
Uma possível 
explicação, para os resultados de estudos que mostram que há diferenças no 
processamento de palavras com relações morfológicas opacas e transparentes, é a 
de que os morfemas são armazenados como unidades independentes, e são acoplados 
quando do processamento da palavra. Por exemplo, "livro" + "s" = "livros". Nesse 
caso, as palavras em que não há alteração da base são mais facilmente 
reconhecidas. De fato, estudos investigando a língua escrita mostram que os 
morfemas que correspondem a letras são omitidos com mais freqüência do que a 
mesma seqüência de letras em palavras monomorfêmicas. Em um estudo investigando 
os erros de escrita que ocorreram em redações de crianças de 12 anos de idade, 
Smith (1980) demonstrou que as crianças tendiam a omitir mais facilmente os 
morfemas quando do que uma letra igual que era parte da palavra. Por exemplo, o 
"s" em books era omitido com mais freqüência do que o "s" em bus. 
Resultados semelhantes foram encontrados no português por Mota, Moussatché, 
Castro, Moura e Ribeiro (2000).
Se os morfemas são 
armazenados como unidades independentes, então palavras morfologicamente 
complexas, que não alteram a raiz, serão mais facilmente reconhecidas do que 
palavras que alteram a raiz quando flexionadas ou derivadas. Para explorar essa 
hipótese os dados de uma tarefa criada por Besse, Vidigal de Paula e Gombert (em 
comunicação particular, 2005) aplicada em um estudo realizado por Mota, Annibal 
e Lima (2006) foram reanalisados considerando as diferenças na estrutura 
fonológica das palavras. Nessa tarefa as crianças tinham que decidir se uma 
entre duas palavras tinha sido formada da mesma maneira que uma palavra alvo. 
Por exemplo, "descolorir" é formada da mesma forma que "deslizar" ou "destorcer" 
ou "chaveiro" é formada da mesma maneira que "cinzeiro" ou "pandeiro". Metade 
das palavras era prefixada e a outra metade era sufixada. Nos prefixos os 
morfemas são acoplados nas palavras sem alterar a raiz, nos sufixos utilizados 
houve alteração da raiz das palavras. Assim, se os morfemas são armazenados como 
unidades independentes das palavras, eles serão mais facilmente reconhecidos nos 
prefixos do que nos sufixos.
 
Método
Participantes
A amostra do estudo 
foi constituída por 51 crianças, sendo 27 alunas da 1ª série e 24 da 2ª série, 
ambas do ensino fundamental de uma escola pública, situada na região urbana de 
Juiz de Fora. A média de idade das crianças de 1ª série foi de 91,1 meses 
(dp=4.8) e a da segunda série 103,9 meses (dp=5,53). A participação no estudo 
dependeu da autorização do responsável através do Termo de Consentimento Livre e 
Esclarecido. 
Instrumentos
Tarefas de 
consciência morfológica
A) Tarefa de 
Decisão Morfo-semântica (Besse, Vidigal de Paula & Gombert, em comunicação 
pessoal, 2005).
Nesta tarefa a 
criança tinha que decidir se uma palavra era construída da mesma forma que as 
outras. A explicação dada à criança era a seguinte: "Em português há palavras 
que são da mesma família, como, por exemplo, 'descobrir' e 'cobrir', ou seja, 
'descobrir' vem de 'cobrir'. Acrescenta-se uma pequena coisa no início para 
fazer uma outra palavra. Outro exemplo é o caso de 'desfazer' e 'fazer', em que 
se acrescenta o 'des' no início de 'fazer'. Porém, há palavras que também se 
iniciam por 'des', mas não vem de outra palavra como é o caso de 'deslizar' que 
não vem de 'lizar'''. Após a explicação fazia-se um exemplo com a criança: "Qual 
a palavrinha que é feita da mesma maneira que 'descobrir' é 'deslizar' ou 
'desfazer?'". Havendo a criança respondido corretamente, iniciava-se a tarefa; 
do contrário, dava-se a forma correta explicando a razão. 
A lista de palavras 
consistia de 12 grupos de três palavras envolvendo prefixos e 12 grupos de 
palavra envolvendo sufixos (Anexo A).
Procedimento
As crianças foram 
avaliadas individualmente em três sessões de 20 a 30 minutos. Na primeira foram 
realizados os testes de consciência morfológica e os testes de consciência 
fonológica. Os testes foram aplicados oralmente por duas experimentadoras 
treinadas. Na segunda sessão foram aplicados testes de avaliação cognitiva e de 
desempenho escolar. Esses testes, por serem padronizados, foram aplicados de 
acordo com as normas estabelecidas em seus manuais.
 
Resultados
Com base nos 
objetivos propostos foi realizada uma análise comparativa da performance das 
crianças na tarefa de decisão morfológica foi feita. O número de julgamentos 
realizados corretamente para os prefixos e para os sufixos foi computado. A 
tabela 1 mostra a porcentagem, média e desvio-padrão de acertos na 
tarefa.
 
De um modo geral as 
crianças acharam mais fácil julgar os pares de palavras prefixadas do que 
sufixadas. O Nível de acerto foi 54% para primeira série (M = 6,5; dp=1,5), e 
58% para segunda série para os prefixos (M=7,0; dp=1,4); e 49% para primeira 
série (M = 5,9; dp=1,2) e 50% de acertos para segunda série no caso dos sufixos 
(M=6,0; dp=2,4).
A comparação das 
médias de acertos por meio de análises paramétricas não foi possível devido à 
natureza dos dados. Testes não paramétricos Mann-Whitney foram realizados nos 
dados sobre o número de acerto em cada tarefa para cada série. As crianças de 
primeira série não tiveram desempenhos estatisticamente diferentes das crianças 
de segunda-série (Z = -1,21; p = 0,12 para os prefixos e para os sufixos Z = 
-7,4; p = 0,46). Os dados foram então colapsados formando um único grupo. O 
resultado análise paramétrica Wilcoxon, para pares relacionados mostrou um 
resultado estatisticamente significativo para tipo de morfema (Z = -2,32; p = 
0,02), indicando que as crianças acharam mais difícil julgar os pares com 
sufixos do que os pares com prefixos.
 
Discussão
Estudos 
interessados em investigar o desenvolvimento da consciência morfológica em 
crianças e sua relação com alfabetização, têm apresentado resultados que mostram 
que a consciência morfológica pode não ser um conceito unitário. Diferentes 
morfemas podem ser adquiridos em diferentes momentos do desenvolvimento. Por 
exemplo, a morfologia derivacional parece ser desenvolvida mais tardiamente do 
que morfemas flexionais (Casalis & Louis-Alexander, 2000; Deacon & 
Bryant, 2005). A estrutura fonológica das palavras também parece ser outro fator 
que determina o processamento dos morfemas. A relação morfêmica entre palavras 
derivadas ou flexionadas que mantém a transparência fonológica das palavras é 
mais facilmente percebida pelas crianças do que quando há mudanças na estrutura 
fonológica (Fowler & Liberman, 2005; Carlisle, Katz & Stone, 
2001).
Uma possível 
explicação para esse fenômeno diz respeito ao modo de armazenamento desses 
morfemas no nosso léxico. Sterling (1983) trabalhando numa abordagem da Teoria 
do Processamento de Informação argumenta que os morfemas são armazenados como 
unidades independentes, no momento que uma palavra morfologicamente complexa é 
processada essas unidades são acopladas para formar novas palavras. 
Os resultados de 
Smith (1980) sugerem que o armazenamento dos morfemas ocorre como proposto por 
Sterling (1983). Demonstram que a omissão de letras que correspondem aos 
morfemas é mais freqüente do que a omissão da mesma letra quando é parte 
integrante da palavra. Smith baseia suas conclusões em estudos que investigaram 
o processamento dos morfemas em situações de escrita espontânea. Para explorar 
esse fenômeno, no presente estudo, controlamos experimentalmente a relação 
morfêmica entre as palavras. Nossa hipótese é a de que quando as raízes das 
palavras não sofrem transformações é mais fácil "contruir" as palavras 
morfologicamente complexas. Se este é o caso é, as crianças terão mais 
facilidade de julgar as palavras quando as raízes das mesmas estão intactas. 
Os resultados que 
obtivemos confirmam essa hipótese, mostram que as crianças acharam mais fácil 
reconhecer a relação morfêmica das palavras quando a raiz estava intacta do que 
quando ela sofria transformações. Esses resultados sugerem que os morfemas são 
armazenados como unidades independentes, e estão em consonância com os 
resultados de estudos já citados realizados no inglês.
Porém, os 
resultados desse estudo devem ser analisados com cautela. Dez dos 12 pares de 
prefixos os morfemas eram também parte da sílaba. Seria interessante investigar 
se os morfemas são melhor reconhecidos quando eles são unidades destacáveis das 
palavras, ou seja, quando eles forem uma sílaba independente ("desfazer") ou 
quando forem parte da sílaba ("desatar"). Se a característica que permite a 
identificação do morfema é manter intacta a raiz das palavras não deveria haver 
diferenças na identificação da relação morfêmica nesses dois pares de palavras. 
Por outro lado, se características fonológicas das palavras forem a razão 
principal para identificação da relação morfêmica, as crianças deveriam achar 
mais fácil julgar palavras como "fazer" e "desfazer" do que "desatar" e "atar". 
Em termos do 
desenvolvimento das habilidades metalingüísticas, se o processamento morfológico 
for mediado pelo processamento fonológico, pode-se corroborar a hipótese de 
Nunes, Bryant e Bradley (1997) de que a consciência morfológica é um constructo 
que se desenvolve mais tardiamente, depois que as habilidades fonológicas estão 
consolidadas. É possível que a habilidade de reconhecer os morfemas se 
desenvolva a partir da habilidade de se refletir sobre os sons que compõem a 
fala. Estudos futuros precisam demonstrar se a habilidade de se refletir sobre 
os sons da fala (consciência fonológica) contribui para o conhecimento 
morfológico, ou se essas duas habilidades se desenvolvem de forma 
independente.
Nunes e Braynt 
(2006) relatam o resultado de dez anos de pesquisa sobre a relação entre a 
consciência morfológica e a escrita no inglês. Os autores argumentam que o 
ensino das relações morfêmicas entre as palavras ajuda a criança no 
desenvolvimento da escrita. Contudo, diferentes ortografias podem requerer 
diferentes estratégias de escrita (Lehtonen & Bryant, 2005). O português é 
uma língua com correspondências letra-som mais regulares que o inglês. Antes de 
discutirmos as implicações das pesquisas sobre o processamento morfológico para 
o português, precisamos conhecer mais sobre o seu desenvolvimento no contexto 
educacional brasileiro. Em particular, a questão levantada nesse estudo sobre a 
independência desta contribuição da consciência fonológica
Os resultados dessa 
pesquisa levantam assim várias questões que precisam ser respondidas, entre 
elas: a idade de aquisição da consciência morfológica, a contribuição da 
consciência morfológica para diferentes ortografias, a relação entre 
processamento fonológico e morfológico, e as implicações educacionais dos 
resultados de pesquisas.
 
Referências
Carlisle, J. 
(1988). Knowledge of derivational morphology and spelling ability in fourth, 
six, and eight graders. Applied Psycholinguistics, 9, 247-266.
Carlisle, J. 
(1995). Morphological awareness and early reading achievement. Em L. Feldman 
(Org.) Morphological aspects of language processing (pp.189-211). 
Hillsdale: Lawrence Erlbaum Associates.
Carlisle, J. 
(1996). An exploratory study of morphological errors in children`s written 
stories. Reading and Writing: An Interdisciplinary Journal, 8, 
61-72.
Carlisle, J. 
(2000). Awareness of the structure and meaning of morphologically complex words: 
impact on reading. Reading and Writing: An Interdisciplinary Journal, 12, 
169-190.
Carlisle, J., 
Stone, C. & Katz, L. (2001). The effects of phonological transparency on 
reading derived words. Annals of Dyslexia, 51, 249-274. 
Carlisle, J. & 
Fleming, J. (2003). Lexical processing of morphologically complex words in the 
elementary years. Scientific Studies of Reading, 7(3), 239-253.
Chomsky, N. & 
Halle, M. (1968). The sound patterns of English. New York: Harper & 
Row. 
Deacon, S. & 
Bryant, P. (2005). What young children do and do not know about the spelling of 
inflections and derivations. Developmental Science, 8(6), 583-594.
Deacon, S. & 
Kirby, J. (2004). Morphological Awareness: Just "more phonological"? the roles 
of morphological and phonological awareness in reading development. Applied 
Psycholinguistics, 25, 223-238.
Fowler, A. & 
Liberman, I. (1995). The role of phonology and orthography in morphological 
awareness. Em L., Feldman (org.). Morphological aspects of language 
processing (pp.157-188). Hillsdale: Lawrence Erlbaum Associates.
Laroca, M. (2005). 
Manual de morfologia do português. Campinas: Pontes; Juiz de Fora: 
Editora da UFJF.
Lehtonen, A. & 
Bryant, P. (2005). Active players or just passive bystanders? The role of 
morphemes in spelling development in a transparent orthography. Applied 
psycholinguistics, 26(2), pp.137-155. 
Luft, C. (1999). 
Minidicionário Luft. São Paulo: Editora Ática.
Mann, V. (2000). 
Introduction to special issue on morphology and the acquisition of alphabetic 
writing systems. Reading and Writing: an Interdisciplinary Journal, 12, 
143-147.
Marec-Breton, N. 
& Gombert, J. (2004). A dimensão morfológica nos principais modelos de 
aprendizagem da leitura. Em M. R. Maluf (Org). Psicologia Educacional: 
Questões Contemporâneas (pp. 105-122). São Paulo: Casa do Psicólogo.
Mota, M., Aníbal, 
L. & Lima, S. (2006). A Morfologia Derivacional Contribui para a Leitura 
e Escrita no Português? manuscrito não publicado.
Mota, M., 
Moussatché, A. H., Castro, C., Moura, M. L. S. & Ribeiro, T. (2000). Erros 
de escrita no contexto: uma análise dentro da abordagem da teoria do 
processamento da informação. Psicologia: Reflexão e Crítica, 13(1), 1- 
6.
Nagy, W., 
Berninger, V. & Abbot, R. (2006). Contributions of morphology beyond 
phonology to literacy outcome of upper elementary and middle-school students. 
Journal of Educational Psychology, 98(1), 134-147.
Nunes, T., Bindman, 
M. & Bryant, P. (1997). Morphological strategies: developmental stages and 
processes. Developmental Psychology, 33(4), 637-649.
Nunes, T. & 
Bryant, P. (2006). Improving Literacy by teaching Morphemes. London: 
Routledge.
Smith, P. (1980) 
Linguistic Information in Spelling. In U. Frith (Ed.), Cognitive Processes in 
Spelling, (pp. 33-49), New York: Academic Press.
Sterling, C. 
(1992). Introduction to the psychology of spelling. Em C. Sterling & C. 
Robson (Orgs.). Psychology, Spelling & Education.(pp. 1-15). 
Adelaide: Multilingual Matters.
Sterling, C. 
(1983). Spelling errors in context. British Journal of Psychology, 74(3), 
353-364.
 
 
Recebido em: 
março/2007 
Revisado em: julho/2007 
Aprovado em: 
agosto/2007
 
 
Sobre a 
autora:
* Márcia Elia da Mota é doutora em 
Psicologia pela Universidade de Oxford, Inglaterra, docente do Departamento de 
Psicologia Universidade Federal de Juiz de Fora.