sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Guardiões fracassados do século XXI


A desvalorização da literatura no processo pedagógico prejudica toda uma sociedade que poderia ser platônica


O interesse pela literatura tornou-se escasso, trazendo muitos problemas para a formação do cidadão. Há, na prática de ensino atual, muitas dificuldades de interpretação das obras literárias, provocando a falta de interesse por parte dos alunos, causando a banalização de textos clássicos e aumentando a “ignorância” popular. O maior exemplo da desvalorização da literatura está presente na serventia apenas para o vestibular, como exclamam vários alunos por todo o Brasil. Entretanto, voltando à Grécia antiga de Platão, estará claro que a literatura é extremamente importante para a formação de uma “sociedade perfeita”. 

Importante filosofo grego, Platão nasceu em Atenas, provavelmente em 427 a.C. e morreu em 347 a.C.. Considerado um dos principais pensadores gregos, por influenciar profundamente a filosofia ocidental. Platão escreveu várias obras, mas, a primeira que reconheceu a poesia como importante ferramenta para a formação humana foi “A República”. O título da obra remete à cidade fictícia, que é criada para questionar os assuntos voltados à organização social. Não se deve entender República como a forma de governo que conhecemos hoje, mas sim como todas as formas de governo. 

Os gregos foram, por séculos, educados através do mito. O mito consiste em “uma narração fabulosa de origem popular e não refletida, dotada de forte sentido simbólico e pedagógico, que tem por finalidade a explicação do mundo, da realidade que nos circunscreve”. Era através das narrativas de um poeta-rapsodo que se dava a educação grega arcaica. Com o crescimento do comercio grego, refletindo transformações no modo de vida urbano, surgem questões que os mitos não conseguem explicar. Assim, aparecem os primeiro filósofos, chamados de pré-socráticos, para tentar responder a essas perguntas. Entretanto, a investigação filosófica dessa época era apenas do exterior, da natureza. Entre 470 e 399 a.C. surge Sócrates e suas perguntas sobre os valores nos quais os gregos acreditavam, trazendo a investigação filosófica para o interior humano. Sua filosofia era desenvolvida mediante diálogos críticos que conduziam à dialética. Ou seja, “um método de diálogo, cujo foco é a contraposição e contradição de ideias que levam a outras ideias”. 

“A República” foi escrita por volta de 387 a.C. e tem como narrador Sócrates. O motivo de sua existência é de ordem prática, é visto como advertência e conselhos. A obra é dividida em X livros, todos em forma de diálogos, conduzidos por Sócrates, com o intuito de responder à pergunta “O que é justiça?”. Mas, no decorrer desses diálogos, surgem discussões sobre vários outros temas. Como tentativa de uma definição mais pura e certa sobre o tema principal, Sócrates, no Livro II, propõem a criação de uma cidade fictícia. 

No decorrer da obra, com a criação da Politeia, no Livro II, surge a discussão sobre a poesia, pois, com a aparição de uma cidade imaginária, há a necessidade de um guardião e da educação do mesmo. Nos Livros II e III está descrita em detalhes essa educação: ela será à maneira tradicional grega, isto é, com ginástica para o corpo e música para a alma. Através desse diálogo sobre a educação para formação de homens com natureza filosófica surge, pela primeira vez, o tema da poesia. A poesia é retratada como parte da educação musical.

No Livro II, surge um novo exame sobre a definição de justiça (o primeiro exame encontra-se no Livro I). Nesse novo exame, Sócrates propõe outra estratégia para levá-los a ver a justiça e seu papel com clareza: a organização de uma cidade na qual eles inserirão o homem para, assim, perceber o que traz de vantajoso a ele ser justo ou injusto. Então, surge a necessidade de guardiões para defendê-la. Para moldar o caráter deles, devem ser educados desde a infância. A educação a ser utilizada ainda será a tradicional grega. Mas, antes da ginástica, é importante que se comece pela alma dos futuros guardiões. Ou seja, usar da literatura para educar a alma. Entretanto, Sócrates argumenta que se deve mudar a maneira pela qual os poetas concebem os mitos, de modo que se coloquem os deuses como realmente o são, ou seja, totalmente bons e sempre idênticos a si, e não como seres por vezes injustos e enganadores dos homens. 

No Livro III, encontra-se a continuação da construção da educação dos guardiões. O Livro II tratava da criação de regras para os poetas e a moldagem dos mitos, no III trata-se da continuidade desse movimento e da extensão para as outras artes. A princípio, para incitar a coragem, deveria muda o temor que se tem pelo Hades, a impetuosidade dos deuses e a postura de lamentação. Deve-se afastá-los das mentiras e aproximá-los da moderação. São analisadas a elocução, as harmonias e as melodias, perceptíveis na música tanto quanto nos mitos. No Livro III vemos a presença central da construção da educação dos guardiões estabelecer as bases sobre as quais toda a cidade se moldará. 

No Livro X reencontramos a questão da expulsão dos poetas da cidade perfeita. Por mais que se tenha um grande respeito por Homero e os poetas trágicos, Sócrates menciona novamente a questão da imitação e faz um novo exame. Vale lembrar que no início do Livro II, Sócrates expulsa dela a figura do poeta trágico devido à propagação de mitos que não estariam de acordo com a constituição da cidade. Agora ele retoma essa ideia utilizando as conclusões das discussões acerca da justiça. Para Sócrates, o poeta imita não aquilo que é verdadeiro, mas o que aparenta ser. O poeta conta o mito, trazendo a mentira e os filósofos buscam sempre a verdade. A imitação não caminha com a sabedoria nem cultiva a razão. Assim, não pode ser útil à constituição da cidade perfeita. O fechamento da obra contém um teor poético. 

Platão não recusou todas as poesias. Ele recusou a poesia de Homero, por conter elementos que influenciavam no crescimento filosófico da cidade perfeita. Para ele a poesia homérica só atrasaria e prejudicaria o homem grego. Platão acreditava que a poesia era muito importante no processo pedagógico. Mas, não podia ser qualquer poesia. Era necessário que ela criasse o homem do bem, justo, moderado. Para isso, essa poesia, deveria ser voltada para realidade, moderada e não cheia de ilusões com desigualdade de valores. Como Platão teve grande talento na escrita e inclinação poética, podemos concluir que, talvez, ele quisesse ser o autor que formaria os homens de sua época. Portanto, a poesia deveria ser muito mais valorizada, já que naquela época, Platão, tinha previsto a necessidade dela na sociedade, o grande benefício que ela traria para a construção do homem perfeito.

É perceptível como a nossa sociedade grita por uma República, de Platão, por guardiões evoluídos filosoficamente para trazerem benefício para sua comunidade. 








Paula R. M. Ungarelli

Um comentário:

  1. A Literatura é vista de várias maneiras. Literatura é mais que escrita, é muito mais ousada e diversificada que isso. Alguns neurolinguistas afirmam que a literatura mexe muito mais com o nosso cérebro do que jogos de xadrez ou equações matemáticas. Como dito no texto, a Literatura para Platão era a realização do ser humano. É claro que Platão queria substituir a poesia pela filosofia, mas devemos tratar a poesia nos dias atuais como uns dos meio de educação, de aprendizado para todos. Poesia, assim como a literatura, é algo muito além da escrita. Ultrapassando os conceitos do mundo das ideias e do real.

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